Babel

Abro uma nova folha em branca no notebook
não sem antes preparar meu canto
luz, silêncio, incenso.

O caderno está aqui, ao meu lado, mas parece que não mais sei escrever como antes.
Preciso do teclado, e da sensação táctil de premir cada tecla.
Preciso do ecrã e da sua luz amarelada, para onde olho por longos minutos antes de saber como encadear meu pensamento. E mesmo assim, não o sei.

Ele. O meu pensamento.
Tão confuso e tão errático.

Como traduzir tudo o que sinto e penso em letrinhas nesta tela?
Será que a caneta e o papel tornariam essa tarefa mais simples?

Já fui capaz de brincar com a enxurrada de pensamentos desordenados. Hoje, não tenho certeza, esqueci como se escreve. Talvez porque os 50 me peçam mais consistência. É preciso deixar ir os arroubos juvenis e assumir uma cadência que não está em mim. Porque em mim pouco mudou. Sinto como sempre, apesar da aparência denunciar os anos que passaram. Por dentro, sou a mesma: assustada, sozinha, perdida. 

Mas não é só, nem tudo é pesar. 
Dentro de mim vivem muitas e nem por isso concordamos. 
Entretanto, aprendi a dialogar, a negociar, a conciliar.
Essas tantas, que em mim moram, convivem com suas próprias dores e alegrias. 
Uma verdadeira Babel. E talvez por isso eu me defina como efervescente: vivo em constante ebulição. 

Se de um lado tem dores, os dissabores não vão além. 
Há festa, há calma, há paz. 
Porque em mim nascem flores de todas as cores. 
E com os anos, confirmei que é preciso chover para renascer. 

Todo dia, hora, minuto. 
A cada respiro
pisco e morro; 
pisco e sou.

Photo by Daniil Kuželev on Unsplash