A maldição do Tempo

Quero escrever.
Sinto a urgência das palavras
Que insistem em me assombrar
Nas horas mais estranhas do dia

Mas o Tempo está contra mim
As Horas estão de complô
E fazem greve
Uma greve insana,
Às avessas – andam aceleradas,
Passando a correr pelo meu relógio

O Tempo se esvai,
Escorre pelos meus dedos,
Pingando no chão infértil,
Num estalido metálico irritante

Quero escrever!
Quero colocar todas as idéias loucas
Que passam pela minha cabeça,
A me corromper os sentidos
A me sacudir o corpo

Mas o Tempo passa rápido
E leva consigo a ordem
Abrindo espaço pra Morfeu
Que, sorrateiro
Invade minha cama
E me toma como amante
Na terra dos sonhos

Horas malditas!
Que me arrastam por prazeres deletáveis
Me desviando o rumo

Quero escrever!
E colocar pra fora a angustia
Causada pelas palavras
Que me rasgam a alma

Mas estas são palavras fracas
E cansadas pelo Tempo
Não têm a esperança pra conquistar o mundo

Tempo assombroso
Que me mata a cada segundo
E me entorpece
E me adormece
Com seu tic-tac hipnótico

Quero escrever!
Mas um bocejo
É o marco
É a lona
É o fim.

Depois do fim

O que dói no meu peito?

Que dor é essa, que me estrangula a garganta

Me impede a fala e anestesia todos os sentidos?

Enganei-me pensando que de amor doía

Na verdade, morriam meus sonhos

E a agonia do fim, traduzida em dor

Era tudo o que eu sentia.

Morreram as tarde na praia

Os passeios pelos jardins do Rio

As fantasias criadas pra te envolver

Sua falta se faz presente

Nos planos apagados

Nos dias vazios

Na nova rotina que imperiosa

Se faz necessária.

A dança

Meus pés já estão cansados de tanto trilhar, tanto dançar, tanto tropeçar… Parada, ali a esperar mais uma coreografia da vida, questionei minhas escolhas, meu ritmo, meus passos. Com o tempo contado e olhos atentos aos meus gestos, me senti perdida na multidão, que no mesmo compasso seguia em frente. Dancei.

Embalada por sons externos, mais uma vez esqueci de me ouvir… Sem tempo ou contra-tempo, sem compassos ritmados, estava agora no total silêncio – daqueles densos, afiados e desafiantes. Dancei.

Na companhia de outros, perdi o fluxo. Dancei.

Mas só pra você imagino solos inesquecíveis, passos sedutores,e invento uma dança feita de mãos, bocas, olhos, pernas…

Canta pra mim… quero dançar pra você…

* Essa foto veio do flickr.com/imagemcompartilhada

O BEIJO

Do lábio entreaberto
Sai a língua úmida
A testar a maciez da carne
A provocar o olhar alheio
A instigar o desejo


Na boca sedenta
Os alvos dentes
Marcam o lábio inferior
Numa mordida despudorada
Tingindo de sangue o tesão


O aproximar é lento
E marcado pela respiração sofrida


O encontro é suave
E molhado pela vontade latente


O enroscar das línguas é demorado
E saboreado pelos sentidos


Sem pressa, te devoro
Minha boca na sua
A querer seu ar
A roubar sua calma


Fusão de almas


Vem, beija a minha boca
E esquece do mundo...

* A foto perfeita veio do flickr.com/vesperis

Uma lição

São tantos os rostos
são tantos os pensamentos
nas ruas, a andar todos os dias
sem quase olhar para o lado
preocupados com o caminho

Pessoas
Histórias

Sentada num café de rua,
não penso no que tenho a fazer
paro um minuto para observar outros que passam
tento escutar suas angústias
descobrir seus sonhos
saber de suas vidas

Quanta coisa deixo de aprender
com este ou aquele?

Meu sorriso cúmplice parece chegar até
o coração daquela que
também sentada na calçada
me observa curiosa
desligada de seus pensamentos
para escutar os meus

Com um piscar de olhos
nos despedimos, sem nunca nos apresentarmos

Aprendi uma lição:
muitas vezes, basta sorrir.

Só os loucos…

O sorriso é iluminado
Faz ascender o espírito
O toque, suave, sereno
É paixão, pura emoção

O olhar nada esconde
Ao contrário,
Deixa claro que
A chama é eterna
E queima, intensamente
A alma dos desavisados
Enamorados que repetem
O poeta, em altos brados:
Que seja infinito enquanto dure

E a paixão inflama
Corpo e mente

Só os loucos amam desta forma.